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'Crime mais grave que existe': o que explica 30 envenenamentos em um ano?

Compilado de casos de envenenamento desde 2024 Imagem: Reprodução / Redes Sociais

Do UOL, em São Paulo

12/06/2025 05h30Atualizada em 12/06/2025 09h33

Ao menos 30 pessoas foram hospitalizadas após comerem alimentos envenenados desde o ano ado no Brasil, resultando em 21 mortes. Especialistas apontam que o número expressivo de casos pode estar ligado à facilidade de o a substâncias tóxicas, à dificuldade no diagnóstico dos envenenados e à repercussão midiática.

O que aconteceu

Açaí, coxinha, ovo de páscoa, milk-shake, arroz e outros foram usados para camuflar os venenos. Nos últimos meses, diversos casos de envenenamento por alimentos vieram a tona em estados do país, com vítimas que variam de crianças a adultos - geralmente de um círculo social próximo ao autor do crime.

Dos 30 envenenados, 21 morreram, constatou um levantamento feito pelo UOL. Uma das primeiras ocorrências de repercussão do ano ado foi o do empresário Luiz Marcelo Antônio Ormond, encontrado morto após comer um ''brigadeirão'' envenenado pela própria namorada, a psicóloga Júlia Andrade Cathermol Pimenta.

Especialistas estão alarmados com o uso de substâncias que não eram relatadas há tempos, como o arsênio. Deise Moura dos Anjos, 42, foi presa em janeiro depois de colocar o veneno em um bolo de natal e matar três pessoas da família em Torres (RS). O elemento foi usado mais uma vez, neste mês, por uma adolescente de 17 anos para envenenar uma amiga em Itapecerica da Serra (SP).

Infelizmente substâncias que eram utilizadas no ado, em crimes de envenenamento, estão voltando à tona. Isso é algo bastante preocupante. Rafael Lanaro, toxicologista do CIATox-Campinas e presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia

Mauricio Stegemann Dieter, professor de Criminologia da USP, avalia que o ''crime mais grave que existe'' está sendo tratado com pouca urgência. Ele explica que matar alguém com emprego de veneno é considerado, pelo código penal, uma forma cruel de homicídio semelhante à tortura. ''É homicídio qualificado, de dolo intenso, que representa um enorme planejamento e compromisso com a morte de alguém'', fala. Apesar disso, autoridades estariam dedicando poucos esforços para tratar o tema.

Venenos têm sido comprados facilmente

Parte dos autores dos crimes registrados relatou ter obtido os tóxicos pela internet. A Polícia Civil do Rio Grande do Sul, por exemplo, revelou ter encontrado uma nota fiscal da compra online no celular de Deise Moura. O arsênio, misturado à massa de bolo preparado para o Natal, foi recebido pelos Correios. A adolescente que confessou ter envenenado o bolo que provocou a morte de Ana Luiza das Neves também conseguiu comprar digitalmente uma substância à base de trióxido de arsênico, por R$ 80.

Para o professor de Criminologia, o o a venenos e pesticidas está ''vulgarizado''. A proibição de alguns deles é decretada por algumas cidades e estados, mas não há uma política nacional unificada. ''Não tem centralidade. Você não compra numa cidade e compra na outra. Cruza a fronteira de um estado e compra no outro. Então, isso necessita de uma legislação nacional.''

Mercado de contrabando também favorece a aquisição. Quadrilhas adquirem venenos vetados pela Anvisa, como o chamado "chumbinho'', a partir de países vizinhos ou do desvio de lavouras. Em seguida, os criminosos fracionam e revendem no comércio informal. Há ainda casas agrícolas que comercializam às escondidas. A venda e compra desse agrotóxico no Brasil é crime desde 2012 devido à alta incidência de intoxicações humanas e envenenamento de animais.

O mercado clandestino de pesticidas no Brasil é bilionário. Concordo que talvez nós precisaríamos rever a questão legislatória, mas não seria suficiente. Nós teríamos que investir muito em fiscalização da venda. Lara Regina Soccol Gris, chefe de Química Forense do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul

Muitos produtores rurais alimentam a clandestinidade. Gris fala que parte deles não compram pesticidas de forma legal, seja por falta de recursos e informações, ou porque a própria produção também é ilegal. Atualmente, existe o Cadastro Nacional Unificado de Compra de Pesticidas, um sistema para garantir a rastreabilidade desses produtos. Nela, o agricultor insere seus dados e o tamanho da plantação, e é autorizado a comprar determinada quantia de agrotóxico. Apesar disso, a plataforma não é capaz controlar a total circulação dos venenos.

Diagnóstico de envenenados não é simples

Sintomas de envenenamento se confundem com os de uma intoxicação alimentar clássica. Gris esclarece que os hospitais que fazem o primeiro atendimento às vítimas são os responsáveis por levantar suspeitas iniciais, e devem ser capacitados para fazer a identificação e encaminhamento. Com o diagnóstico, eles devem acionar os Centros de Informação e Assistência Toxicológica, que ainda são distribuídos de forma desigual nas regiões brasileiras.

Nós vamos continuar tendo pessoas chegando às unidades de saúde que estão ando mal por uma intoxicação alimentar de verdade. Em outras situações, a gente se dá conta que realmente foi um agente adicionado, intencionalmente colocado, mas por vezes acaba sendo muito tarde. Lara Regina Soccol Gris

A aplicação de antídotos não é feita a tempo em muitos casos. Paulini Braun Wegner, chefe de Toxicologia do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul, diz que existem algumas substâncias que podem minimizar o efeito do veneno para reverter o quadro de saúde. ''Mas isso nem sempre é alcançado, seja pela velocidade com que o agente vai causar a lesão no paciente, ou por não se conseguir identificar o tipo de tóxico a tempo realmente.''

Ampla divulgação incentivou novos casos

Os especialistas ouvidos entendem que a divulgação em detalhes dos casos tem incentivado outros autores. Lanaro argumenta que a cobertura midiática de ocorrências mostra a ''efetividade e letalidade'' do uso dos venenos, a facilidade em obtê-los, a dificuldade em detectá-los nas perícias, bem como o modo de aplicação deles em alimentos.

Durante a história, sempre que você tem a notícia de uma prática de crime, que o leitor consegue assimilar como ível a ele, que não precisa de recursos extraordinários de dinheiro, que não precisa de participação necessária de terceiros e que pode ser feito de maneira individual, isso acaba funcionando como um elemento catalisador de homicídios. Mauricio Stegemann Dieter

Paulini também conta que o Instituto Geral de Perícias gaúcho tem recebido, inclusive, mais pedidos de exumação. Diante da exposição pela imprensa desse tipo de ocorrência, as famílias estão solicitando exames nos corpos de entes que já foram enterrados. ''Nós recebemos um aumento de solicitações de pessoas que começaram a se questionar se não poderia ter sido um envenenamento e que ou batido, ou que foi declarado como uma intoxicação alimentar'', falou.

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